segunda-feira, 2 de maio de 2011

Placenta 2

A vida é uma tarefa árdua.
São muitas, muitas horas.

Placenta

Eu sou uma rocha eu sou uma rocha eu sou uma rocha eu sou uma rocha eu sou uma rocha eu sou uma rocha.
Eu tenho que ser.

domingo, 1 de maio de 2011

O bem do mar é o mar é o mar é o mar é o mar

Permito ao teto sufocar.
Estou brega e redundante de novo.
Mas tudo é mais fácil na areia.
O mar balança a noite toda e assim a gente não morre.
Temos 15 anos e o sonho de um mundo inteiro nas nossas bocas. Na contra mão de tudo.
Virilha molhada. Os olhos cheios.
Tudo é novo. Eu quero tudo eu quero tudo eu quero tudo e tenho medo e não quero mais e depois quero de novo.
Outro pulmão que respira e verte e entende.
O gosto da tinta tá ficando velho...

E agora 850 quilômetros de asfalto quente entre nós.


Os tempos de emancipação emocional chegaram.
Então eu acordo e sacudo os sonhos do meu cabelo.

terça-feira, 5 de abril de 2011

Sangre sangre sangre sangre sangre

Meu sangue preto e grosso jorrando de mim hoje. Na cara do mundo.
Minha cabeça contra um peito.
A boca onde deveria estar. Molhada. Cuspe. Gozo.
Sangue de novo.
Nos meus dedos de novo.
Estou parada exatamente aqui.
Montada bem em cima do topo da minha própria vida.
De toda tralha que eu juntei.
De toda a bosta sensível que eu sou e não sei/tenho onde enfiar.

GRANDE MERDA que eu gosto do vento (enquanto a vida cai e cortaram a água de novo).

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Sobre a Ana, meu amor e minha pélvis

A primeira mulher que eu amei tinha uns 10 anos de idade.
Minha vizinha da praia. Tão linda, a Ana! Os olhos verdes... Tão mais menina do que eu. Ela usava saia e tinha uma boca de quem queria comer o mundo, logo cedo assim.
Eu espiava ela pelo muro, penteando os cabelos - ela penteava os cabelos! - se arrumando pra gente sair com a nossa gangue da rua pelo bairro, antes que anoitecesse de vez.
Eu colocava meu boné pra trás e amava ela tanto que doía.
Uma vez minha prima viu. Que desgraça, prima!
A gente no quartinho quente e quase sem luz, meu coração saindo pela boca, eu tinha que propor logo pra ela. Logo. Logo! Iam nos procurar!
E então eu convidei ela pra fugir de casa.
- A gente devia ser menino de rua!
Eu falei.
- Eu ia ser o menino e tu a menina! E a gente pode ficar junta pra sempre e nem tem que voltar pra casa de noite, Ana. Vamo vamo vamo puxa vida! Tem que ser rápido!
E daí acho que a gente fez alguma coisa de amor e desejo. Eu segurei a Ana no meio das minhas pernas, apertada bem forte, com todas as coisas verdes e novas daquela cidade. Comigo mesma. E o tempo passou. Tenho umas imagens cortadas. Acho que me forcei a esquecer depois porque parecia pecado e eu tinha medo do diabo. Tanto medo, eu tinha. E vergonha. E eu ficava suja e nauseada de pensar, mas a Ana tava bem ali, em mim. Molhada.
E então... minha prima começou a jogar umas pedrinhas na janela pelo lado de fora e fazer barulho e a gente saiu correndo.
E agente nunca fugiu de casa.
A Ana nunca me repsondeu.
E no verão seguinte a família dela não alugou mais a casa do lado da minha.
Anos depois a Ana foi estudar na mesma escola que eu e eu já nem amava mais ela e nunca toquei no assunto. Porque a gente tinha crescido e eu suava só de pensar.
A última lembrança que tenho da Ana é que um dia ela tava subindo as escadas da escola e começou a ficar meio azul, sem ar pra respirar. Eu botei a Ana sentada num degrau e lembrei porque um dia eu tinha amado ela. Eu gostava da curva que os ossos dela faziam sob a pele morena, perto do pescoço.
Eu não queria que a Ana morresse! Eu achava que crianças não deviam morrer e nem ficar assim meio roxas, meio geladas. A morte é feia, boy. Eu chorei rapidinho de pavor mas logo chegou o guardinha e ficou tudo bem. Vai ficar tudo bem, vai ficar tudo bem, vai ficar tudo bem.
A Ana não morreu naquele dia. Descobri que ela só tinha asma.
Depois a Ana saiu da escola e só espero que ela não tenha mesmo morrido.
Por que uma vez, na praia, eu amei tanto ela que doía...


terça-feira, 23 de novembro de 2010

O meio do fim

O palhaço volta pra casa de madrugada pelo canto da calçada, devagarinho, pra ninguém ouvir.
Com o estômago cheio de comprimidos e tristeza e as roupas desbotadas, a costura arrebentada - cedendo.
Ele está cedendo.
E faz uma prece sem crer, troca as palavras, engole a língua.
Sem peruca assim parece mortal. Como um passarinho velho e molhado. Encolhido e feio.
Desfigurado. Desgraçado.
Auto-irônia.
Preferia ter sido pintor. Mas não foi.
E já foi. Se fodeu, Seu Palhaço.
Acabou seu tempo.
Adeus.

Porque você não gritou quando ainda tinha voz, hein?
Agora morra em silêncio. E sozinho. E aqui.
Eu nunca te (me) amei mesmo.





sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Olha meu amor, eu estou voltando

Imagine o seguinte: parece segunda-feira mas é sexta.

Triturando os dentes todas as noites.
Me sinto bem, apesar dos olhos que fecham sozinhos e uma sensação de estar com a cabeça de baixo d'agua. O dia ficando vagaroso como um borrão, o som ficando estridente e opaco e então... eu morri. Ou dormi no ônibus.
E aqui vou eu de novo.
Repousando no mundo. Como um bebê envolto nas próprias tripas finas e quentes, que respiram fininho (as tripas). E molham. E dorme.
Barriga saindo pelo umbigo. Agonia boa.
Meu deus meu deus meu deus meu deus, anoitece logo. Me leva logo. Faz eu chegar. Faz ser bom. Faz ser isso. Faz sossegar. Por favor por favor eu não sei mais o que ser.
Queria parar de me mexer um pouquinho, sem sentir nojo e culpa. Nojo e culpa, sempre juntos. O nojo é verde e a culpa é preta.
Queria estar em uma daquelas casinhas na beira da água salgada. No lugar do carro, um barco. E existir pra sempre no laranja daquele lugar redondo, sem fim, que assisto da minha janela embaçada, depois de 13hs de viagem, toda vez que volto pra casa. Mas sei que não é isso. Eu morreria afogada em mim mesma tão logo cada noite chegasse.
Queria anoitecer uma noite aqui e outra lá. Mas sou apegada, meu deus. Faz alguma coisa comigo. Meu deus meu deus meus deus meu deus. Eu sei que você não tá aí. Seu bosta.
E mais, ó: última chance que te dou de você aparecer.
Mas já não me importo, eu me sinto bem. Eu me sinto bem. Eu me sinto. Eu sinto. Eu. Sinto. Muito.

Vou girar até cair. Um placebo manipulado por mim mesma.
E com as veias abertas, aqui vou eu de novo.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Sobre eu mesma que eu não sei e não estou

Eu costumava amar uma garota porque ela era mais velha, mais esperta, mais maliciosa.
Tinha tatuagens nos nós dos dedos e era sedutora.
Hoje eu também sou esperta, estou velha e maliciosa.
E a pia da minha cozinha está mofando. Minha imunidade está lá no pé e eu estou longe de casa e do mar.
Estou aprendendo a desenhar.
Fico desenhando mulheres peladas e suas bocetas. Grande irônia dos anos se desenrolam de um jeito esquisito e traiçoeiro e depois somem.
Eu sinto que estou ficando chata e ranzinza. Eu costumava ser radiante - me diziam.
Envelhe(burre)ci? Ou será só a falta de iodo?
Sei que aqui dentro ainda há euforia e loucura. Escondidos em algum lugar entre meu cansaço, algum músculo e meus ossos pontudos e podres.

É só que algumas noites parecem que não vão passar. Me sinto com 15 anos de novo.
Garotinha açoitada na escuridão.
Tudo está estático, imóvel. Lá fora. Aqui dentro. Tanto faz. O silêncio pesado engole a noite e me leva junto.
Fica essa tensão ridícula e o cheiro de morte. Morte morte morte feia e verde. Que não tem nada de bonito ou inspirador.

Um pouquinho de sangue ou vento pra chacoalhar as coisas, obrigada.



Her light is the night. I'm not blind, I belive in you. I see a green light...


segunda-feira, 27 de setembro de 2010

En la lluvia me prometiste tu sangre

É como se fosse um bloco de concreto maciço, cinza, pesado. Uma bosta.
Pairando sobre minha cabeça de sono e segunda-feira e café que acabou.
Mas vou mastigá-lo. E cuspi-lo.
Mesmo que eu quebre todos os meus dentes e sangre - meu sangue preto e grosso que nem mingau.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Sobre a Cidade e a Noite

A cidade é a grande casa. Nossa casa. De ninguém.
E a noite é o santuário do coração. Retorcida, escorrida, escarrada nas luzes que se apagam pra ela chegar.
Escondida, tão escura que até dói existir.
Gosto de quando a noite é azul e os prédios rasgam o céu com seu formato tão cheio, tão recortado.
A noite e seus vultos dormidos da madrugada que foi foi foi... e partiu.
A noite e seus filhos pulsantes que se esquivam como gatos espertos em suas curvas estreitas. E se embreagam no cheiro que vem dos bueiros. Do mijo e sangue e amores rasgados. Tão bonito e fétido. Aos loucos a procura de um útero quente e umido em forma de mulher (sem os dentes da frente): eis a noite.
Ruidoso e pesado o silêncio da noite na cidade...

Às minhas damas favoritas: a cidade e a noite e suas flores e fantasmas.





*texto de introdução para um trabalho de Linguagem Visual. Meu tema: A Cidade e a Noite.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Sobre mim mesma, a Madeleine e o sexo

Nada é mais certeiro e avassalador do que uma lembrança bem viva.

E aqui vou eu.

Meio-dia. Sempre esse silêncio estranho que faz meio-dia - mesmo em São Paulo - parece que o som grita abafado... Deve ser toda a comida no estômago.

O silêncio, a barriga pesada e esse calor de suar um pouquinho mesmo no inverno. Não existe nenhum cheiro/cor/música/coisa mais capaz de me transportar pra tempos remotos do que o combo som do meio-dia+barriga cheia+calorzinho.

Juro que se fecho o olho eu tô lá. É gelado na sombra e adoro levantar a blusa pra sentir o piso frio contra a barriga quando eu deitar no chão virada pra baixo - só o rosto no sol já tá bom.

O barulho do carro do pai passando nas pedrinhas -13hs, hora de voltar pra Depaschoal - e o cheiro do almoço que ficou e o detergente que começou a lavar a louça. Globo esporte na TV. A TV tá um pouco mais alto do que eu gostaria, mas tem comida demais na barriga pra eu levantar agora. Uma mosca pousa devagar no meu joelho.

A Paloma deita por perto e eu fico reparando que ela tem uma tetinha a menos - ou uma a mais, e que o tempo é justo e eu odeio que ele passe e já aparecem nela os cortes, as rugas, articulações inchadas e tortas. Penso que logo ela vai morrer e eu vou ficar triste porque nunca nenhum outro cachorro vai ter usado brinco e velejado os mares de Laguna com um pescador antes de ser meu.

Daí eu penso na morte e penso que um dia minha mãe vai morrer e choro rapidinho escondida e eu fico tentando pensar em outra coisa e desejando morrer primeiro pra nunca ter que ver ninguém morrer. E então eu fico bem com a idéia de morrer primeiro. Estico a cabeça só um pouco e enxergo a casa onde a Madeleine morava e desejo que ela volte pra gente poder brincar de Titanic na escada e de coisa proibida também, de baixo do tapete da sala dela.

Sinto vergonha por estar lembrando disso mas pulsa entre minhas pernas e é gostoso.

"Fecha essa perna guria! O Geraldo tá ali fora!!!"

Dou um pulo e o coração dispara, como se ela pudesse saber no que eu tava pensando. Vou me mexer pra fechar a perna mas perco o conforto da posição e aproveito pra levantar num impulso - fico cega por uns segundos, preciso aprender a levantar devagar - roubo umas bolachas da vaquinha do pote de vidro e lá vou eu...

terça-feira, 1 de junho de 2010

Sobre as vidas novas e as velhas e Iemanjá

Como é engraçado voltar a escrever depois de tanto tempo. As mãos ficam duras-defunto, parece que a gente desaprende das palavras, mas é tudo mentira.
Desaprender é mentira. Difícil é aprender. Depois, não se desaprende.
A gente só enraíza, endurece, se acomoda e mofa molhados e fedendo pra sempre amém. Tão verde e podre o mofo. Verde-bandeira (do Brasil) pendurada em tudo que é lugar balançando devagar e triste por causa da copa que é tudo mentira também de novo.
Gostoso era em 94 que tudo isso parecia tão importante e o sol franzindo o nariz, o peito cheio de amores breves, o mijo recém enterrado na areia, as unhas roídas doendo do sal e o cheiro da areia molhada de maresia.
"Olha o mar, mamacita! Iemanjá tá levando o nosso girassol de cabelo!!!"
Levou.
E hoje tão longe ela entra num ônibus e fica lá vindo vindo por 15 horas pra finalmente vir.
Porque eu cresci e tenho uma casa caixotão aqui do outro lado de nós.



Mala suerte já morreu. Enterrei na Avenida Santo Amaro.
Hoje eu trepo o prédio mais alto da Cidade do Sol e canto pra quem quiser acordar “ô boa noite pra quem é de boa noite...”




[difícil é desprender]

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

E todo o meu suor foi pelo ralo, enfim

Melancolia e céu negro.
E o drama enforcado dentro do meu guarda-roupas. Esperando eu abrir a porta pra me mostrar a cara branca e sem sangue de morte.

Hoje eu sucumbi.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Aqui fora não há estrelas

-E toda essa chuva, eu enfio aonde, no rabo?
Ela perguntou enquanto tentava tapar as feridas abertas da cara dela no espelho.
-Ou eu tomo uma overdose de morfina e finjo que tô dormindo no céu? Hein?
A-ha-ha. No colinho de deus. Céu... Essa historinha de céu nunca me convenceu não, menina. Vê se não escuta tudo que te contam. A vida parece um pouco com um hotel de rodoviária: sujo e sem cortinas. Não é qualquer um que aguenta muito tempo não.
E cadê o tal do céu aqui agora pra consertar minha pele doente? Hãn?
Eu sô só mais uma filha sem mãe nem céu porra nenhuma. Outra filha da dor desses corredores da noite, feitos de mijo e sangue. O teu mijo e o meu sangue.
Mas medo eu não tenho faz tempo.
O trem da morte apita apita apita e pára, e daí, você pondera, não vê nada melhor e embarca. Acende um cigarro amassado, estica as pernas e espera.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

"O céu brilhante e vazio sobre os lados rasgados da cidade"

O som da britadeira e da música gloriosa de enterro tão doce e mórbida na tv de alguém.
O cheiro de fritura e esgoto.
O vento violento na janela - feito um papai bêbado que chega em casa com sede de estilhaçar (um genital).
E meu coração semi-vivo cravado no pedestal do céu, de lanchinho pr'algum deus esfomiado. Canibal.

Deus estuprador de sonhos.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

...

Apesar de todo o brilho de tudo e das noites que passam, segunda-feira sempre tem esse gosto de café velho. Gelado.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Sobre mastigar mastigar e cuspir de volta, igualzinho

Cansei das minhas palavras gastas.
De mim tão redundante.
Dessa cópia barata de mim mesma reproduzida um milhão de vezes igual igual e de novo...
Não sei. É só que parece que não consigo mais escrever as coisas.
Talvez seja só o frio.
Espero que não seja apatia à vida. Tudo, menos apatia.
Morro de medo de perder a capacidade de contemplação.

Parece que algo já se perdeu. Talvez tenha sido a sorte.
Mala suerte.

Queria deitar de novo no colo d'agua de Iemanjá, chupar-lhe os peitos com devoção, e então dormir em paz.

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Sobre a manhã amassada e só

Demora pra amanhecer na cidade onde a noite vem logo.
E a manhã chega assim, tão densa que é quase sólida. Quase esbarro nos pedaços de dia que começam a surgir sobre os carros barulhentos e me perturba. A manhã parece um pouco com uma perua efusiva que vive numa casa bonita segura e que não enxerga um palmo na frente das fuças. Tenho vontade de arrebentar a cara da perua até que ela morra afogada com o próprio sangue grosso preto pra sentir um pouquinho de vida que ferve. Ainda que a culpa seja minha. Ainda que.
Tenho medo porque sou um pouco hipócrita e na verdade estou mais perto da perua do que do mendigo louco que eu idolatro e afasto. Idolatro e afasto, idolatro e afasto... acabo fugindo com as calças mijadas de pavor fedido. Bela sina esta de pisar nos meus próprios pés. Bela sina esta de achar bonito - do outro lado do muro. Apesar destas bolsas pesadas que carrego e enrolam nos meus joelhos hoje e do suor que me escorre. Apesar dos olhos ardendo, do ombro que dói e da boca seca de noite chacoalhada. Apesar da fome agora. Apesar do relógio.
Apesar de.
Na verdade verdade verdade estou mais perto é de mim mesma. Quase sentada no meu próprio colo vazio de tanto meio-termo. Nem quente nem frio, pequeno e só. Que possa ser o teu bom lar, ao menos. Já que não o meu.
Uma puta esbaforida atravessa na minha frente. Tão linda assim trôpega e ofegante, cheia de brilho apagado e tão cansada quanto eu nesta quase-manhã frenética que não me dá licença nem pra existir. Nem pra dormir um pouquinho. Agora que eu finalmente ia dormir.
Agora que.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

My bloody gargantine

Hoje senti saudades dos pontos na boca e do gosto do sangue quente sendo engolido com saliva. Como saliva.
Parecia com um lar.
Um lar estreito. Eu caminho caminho neste corredor apertado e por mais que eu afunde um pouco na bosta é sempre macio.
Entorpecida pela luz amarela aqui. Casa.
O assoalho que range sob nosso peso de domingo. O cheiro do alho e do creme azul da avon nas mãos cheias de veias da minha mãe. O seio macio. O suor sobre os labios finos lindos dela. O suor no cabelo dela. Eu queria poder secar e curar tudo nela com minha língua áspera.

terça-feira, 10 de março de 2009

Sob nosso manto de escombros

Com fogo nos joelhos finos e a garganta seca:
- Eu tenho gosto de que?
Mais uma lambida e um uivo de vida. Respiração molhada. Outra lambida.
Duas. Três. Quatro lambidas. Coração em pêlos. Uns segundos mudos. E a resposta:
- Tem gosto de carne que rasga. De tempo que derrete. De vingança que não acaba nunca.

domingo, 8 de março de 2009

Outra súplica rápida

De quem tens medo?
Da noite acordada ou do espancador de vidas?
Deus soberbo pai de toda frustração e todo o medo, livrai-me de mim. Amém.

Sobre a noite e a noite e a noite (e as pessoas-janela)

Eu queria ser tão grande quando a minha sombra que existe ali na parede vazia.
Noite muda. Mais uma vez.
A vida em quadrados. Assisto aqui, do alto, recortes de tanto numa cápsula 1x1. E com cortinas.
A moça do sofá coça a perna. Pisca pra tv que não pisca de volta. Acho que ela não vai acordar cedo amanhã, assim como eu. Podíamos sentar lá embaixo nós duas e deixar a noite morrer. Ela podia me dar uma meia dúzia de frases prontas, que seja. Eu lhe daria mais meia dúzia e deu. Quem sabe até não veríamos dentro do buraco quente dos olhos uma da outra? Sei lá. Ela nem me deixou propor. Foi o tempo de eu correr buscar esta caneta e ela sumir do sofá dela sobre o mundo.
Ta lá o sofá. Imbecil.
Me olhando baldio.
Aquela toalha meio rasgada. A sala limpinha quente aconchegante - hostil pra mim. Sussurrou na minha cara um "boa noite venha morrer confortável aqui na luz amarela" e eu estremeci. Vomitei.
Eu preciso da rua agora e sei que não vou ter.
Ainda morrerei de calor ou insônia ou câncer na canela esquerda.
A rua está longe-logo ali embaixo. Só uns dois ou três lances de escada.
Mas e achar uma camiseta? E encontrar as chaves? E o maço? E ficar lá conversando com o banco de novo?
Sei que vou ficar aqui assim. Meio patética. Com esse sono azedo meio não sono.
Escrevendo sob a luz de uma lanterna fajuta e a sombra de alguém que dorme sem mim.
Gostaria que dormisse em mim hoje.

Sobre o asfalto quente

Eu e a estrada de novo. Amiga de não tão longa data e já tão tão íntima. Ela mora na minha pele e eu na dela. Na pele quente e áspera dela. Hoje molhada. Nós duas.
Eu de gozo e saudade e medo e vida.
A vida é úmida, não é?

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Sobre os milhões de dias de um mês do ano

Eu sou uma escultura torta escorrendo no bueiro de uma rodoviária. Nascendo no asfalto quente.

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Uma carta suplicante

Por favor,
recolha estes meus retalhos doloridos e me ajude a enfiar no cu de deus e fazer um mosaico colorido lá dentro.

domingo, 21 de dezembro de 2008

Sobre o Pedro Fanático e a sua janela na rodovia

Mais um domingo de Pedro. Domingo de barriga. Domingo pingando d'um conta gotas gigante. Pingado.
Hoje parou e eu não quis continuar.
Escorrendo pelos buracos quentes dos meus dedos. Buracos quentes do mundo. Isso que acontece de um ardume bem de baixo da pele do rosto rosa. De baixo do nariz que também pinga pinga e foge.
A cidade e as suas texturas deliciosas quase parando. Texturas doloridas. A cidade e seus fantasmas do domingo dormido.
Domingo de Pedro. O Pedro vermelho na janela vermelha limpando a cadeira encardida, quase imóvel. Eu podia jurar que ele morreu. Ele some e volta e meu coração bate aqui. De alma vermelha borrada. Pedro dormido da janela da minha alma imunda.
Pedro sumiu.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Viajantes na tormenta

A lua está quase cheia e o balanço de vômito do ônibus é uma injeção de conforto no meu braço que a gente esburacou. Porque se ele parar, eu também páro.
Alguma coisa tem que se mexer aqui - e eu mal consigo respirar. Tem só estes ratos(os nossos ratos) correndo e rasgando tudo furiosos aqui dentro.
E eu aqui divagando sobre ficar acordada e a morte, o amor e o amor, o suor e as estradas pesadas que me levam à ti.
É como se eu estivesse sentada no canto oposto de um outro salão enorme vazio no lado sem sol da cidade, e a ponte quebrou e eu não posso chegar até aí. Não posso, eu não posso! Não há nenhuma ponte rápida aqui. Não é tão fácil quanto atravessar a porta do quarto e roubar o ar que vem direto do teu nariz when you sleep nos tons de azul que a madrugada te pinta tão bonito. Não é, e isto me sangra.
Meu peito já foi todo escorrido pelos gritos e agora jaz aqui no chão do meu lado, ardido.
Ardendo.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Cospe-me

Eu corro corro e a parede vai correndo junto. Está sempre dois passos à minha frente, a filha de uma puta.
Talvez esta seja mesmo a lição da dinâmica: nunca conseguir encostar o limite. Mas, porra, eu quero encostar nos tijolinhos cor de laranja(podre)! Encostar não, arrebentar a parede e chegar do outro lado, assim - cuspida, sem precisar de convite mesmo. Nem recepção.
Igual nas grandes corridas dos desenhos animados já cheios de poeira: arrebentando a fita de marcação. F u r i o s a m e n t e. Igual à Vênus sem peles que rodopia rodopia até ficar tonta e cair e atravessar o chão e chegar, finalmente, na minha cama. Sangue. Tão nua. Quando se está sem peles, a gente consegue machucar com um sopro só, sabia?
E também, merda, quem precisa de uma lição de moral como desfeche de um filme?

Hoje meu café ficou choco - me vejo no espelho, do outro lado do copo. Só pouquinha coisa turva e borrada, mas talvez nem seja culpa do café.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Sobre canetas pesadas que não escrevem

Faz umas duas semanas que apareceu aqui em casa uma caneta que tem junto um medidor de temperatura e ela fica suspensa numa estrutura através de um imã. E ah, tem um relógio acoplado também.
Hoje eu precisei de uma caneta e ela estava mais perto.
Foi então que eu descobri que a única coisa que esta caneta não faz é: escrever!!!
É, a tinta fica falhando, terrível.

sábado, 8 de novembro de 2008

Vênus sem peles

Minha percepção de tempo parece...perturbada.
A folha balança devagar e o céu continua claro.
Será ainda o mesmo dia de tantos dias atrás?
Sinto que falta algo aqui hoje. E talvez seja eu mesma.
Sangue, amor. Sangue, meu amor. Meu. Sangue meu.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Ralo

Este é o lugar mais quente dessa cidade. Eu tenho certeza disso.
Quando eu chego aqui - exatamente aqui - no topo desta ladeira, vê? Então, quando eu chego aqui, eu começo a derreter e me desmantelo inteira.
Acho que é o centro da terra. Ou o final sem saída.

domingo, 2 de novembro de 2008

Refrão lento

Parecia que tinham colocado (ou eu tinha colocado?) cem roupas pesadas em mim - cem roupas do algodão mais grosso do mundo - e eu não consiga me mexer direito, nem respirar direito. Mesmo querendo me mexer tanto e respirar tanto.
E tudo parecia um pouco aguado e um pouco como uma aquarela que pegou chuva e depois caiu no chão e toda a tinta se misturou e se perdeu. Molhada.
Tá molhado e quente aqui, e bastante assombrado também. E é tão bom. Mas logo vem o mofo - eu sei, eu sei.
Parece que nunca vai parar de chover. E hoje eu desejo que nunca pare mesmo.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Sobre o papai-noel aidético e sem barba do ônibus

Hoje eu senti vontade de vomitar um monte com aquelas luzinhas de natal já acesas e aquele cheiro forte de merda vindo do esgoto mal coberto e aquele balançar brusco e constante.
E toda aquela gente magra e doente subindo no ônibus. Tão melhores do que eu.
Aqui tão limpinha, tão ilesa. Tão virgem. Tão sentada.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Music is your special friend.

É bom poder descobrir exatamente qual música eu sou hoje!
E poder ficar ouvindo e ouvindo e engolindo e ouvindo ela.

"Hit me!"

Hoje parece que tem um nó no meu estômago!
Não sei se foi a cafeína, não sei se foi o David Lynch, não sei se foi toda a chuva que tomei no começo da tarde...
Mas o engraçado é que eu usava veludo azul!
Eu devia estar no auge dos meus quatro anos e ficava só esperando o dia feliz em que a mãe colocasse denovo o vestido de veludo azul em mim.
Veludo azul...
Hoje eu pintaria um quadro de uma pessoa sentada no meio de um banco grande no meio de uma praça grande - vazia - segurando um guarda-chuva quebrado e torto em uma das mãos e na outra segurando o cigarro secreto que ela fumava escondido. E ela ia parecer tão atormentada e dona de um segredo tão delicioso e tão desimportante pra todo o resto.
Mas ao invés do jeans preto eu ia colocar veludo azul nela.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Her light is the night

Pra cada lado do meu quintal que eu olho hoje parece um quadro que eu queria ter pintado. Têm as cores exatas que eu teria usado, sabe?
O nublado é tão tão claro, faz a gente ficar com os olhos semi-fechados...
Imaculado.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Sobre um prisma e a noite

O prisma parece um belo de um palhaço pendurado ali na minha janela quando é noite.
Fica ali, balançando de leve, como quem tem medo! Precisa tanto do dia pra funcionar, pobrezinho.
Eu queria tanto que não existe a hora em que a gente tem que fechar as janelas "pra não entrar mosquito". Eu sempre sempre resisti até que tudo fique um breu só e ou eu acendo a luz logo ou dou com o nariz na parede. Sempre, e que venham os mosquitos!
Por isso eu gosto do dia, que insiste em ser dia mesmo quando todo mundo já acendeu a luz feia. E por isso eu não gosto das pessoas, que correm pra acender a luz amarela mesmo quando ainda tem dia pra clarear. Dai fica aquela coisa: a cidade cheia dos pontinho amarelo de merda e por trás o céu ainda clarinho, mas quase-querendo-ficar-preto. Não combina! Não combina, os dois, assim, juntos. A luz amarela parece tão agridoce e me faz vomitar tudo tudo em tudo!
Ao menos tá fresco aqui agora.
Se é pra ser noite, que seja mesmo noite, escuro.
A noite vem e me abraça gelada
Filha de uma puta. Ou duas.
Me come
Sem açucar.
Quadrada e torta, tão bonita!
Enfia dois pedaços de algodão no meu nariz e vou caindo caindo caí.
Agora a chuva. E depois?

domingo, 19 de outubro de 2008

A volta

"Tá fazendo frio nesse lugar
onde eu já não caibo
onde eu já não caibo em mim."

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Eu amo os amigos que reuní sobre esta jangada fina.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

O mundo parece vermelho

Folha queimada.
As estradas-pequenas tortas e cheias de vento e asfalto quente.
Eu posso ver a cidade morrendo sozinha lá em baixo e o cheiro de noite com whisky chegando.
E a rotina de plástico é doce e ácida e o ônibus começou a andar então eu páro.
As vezes parece que vem e dança em volta do meu pescoço me seduz, me sufoca, me ganha. Me ganha! Essa luz artificial tão feia tão amarela tão pobre me ganha! Parece um velho lar, conhecido. Gasto. O caminho já aberto entre o mato. Mato amarelo. Parece pobre e não tem janelas. Nem portas. Uma caixinha amarela tão familiar! Oh, deus, que vontade de deitar lá e sentir a testa quente e a perna grudando no chão e pingando pingando o suor pingando compondo uma canção.

Sobre o amor e um bumbo

O espelho parecia escorrendo e meu coração batia meio devagar. Era sobre amor e um bumbo. O ônibus demorava tanto pra subir a ladeira torta que eu começava a sentir calor no inverno. Era tão colorido. Tudo tão tão colorido! Todo mundo parecia tão feliz. Até eu, não fosse a tuberculose. É. O sangue sempre me deixou tonta. Sangue na garganta. Sangue no lenço. Sangue no véu. Sangue no ar. E é por causa do vento! Hoje tinha vento e uma fogueira boba na esquina quando cheguei e gosto de remédio na minha boca.
Escorrendo! Era isso!

Eu me escorri todinha no ralo.