quinta-feira, 17 de junho de 2010

Sobre mim mesma, a Madeleine e o sexo

Nada é mais certeiro e avassalador do que uma lembrança bem viva.

E aqui vou eu.

Meio-dia. Sempre esse silêncio estranho que faz meio-dia - mesmo em São Paulo - parece que o som grita abafado... Deve ser toda a comida no estômago.

O silêncio, a barriga pesada e esse calor de suar um pouquinho mesmo no inverno. Não existe nenhum cheiro/cor/música/coisa mais capaz de me transportar pra tempos remotos do que o combo som do meio-dia+barriga cheia+calorzinho.

Juro que se fecho o olho eu tô lá. É gelado na sombra e adoro levantar a blusa pra sentir o piso frio contra a barriga quando eu deitar no chão virada pra baixo - só o rosto no sol já tá bom.

O barulho do carro do pai passando nas pedrinhas -13hs, hora de voltar pra Depaschoal - e o cheiro do almoço que ficou e o detergente que começou a lavar a louça. Globo esporte na TV. A TV tá um pouco mais alto do que eu gostaria, mas tem comida demais na barriga pra eu levantar agora. Uma mosca pousa devagar no meu joelho.

A Paloma deita por perto e eu fico reparando que ela tem uma tetinha a menos - ou uma a mais, e que o tempo é justo e eu odeio que ele passe e já aparecem nela os cortes, as rugas, articulações inchadas e tortas. Penso que logo ela vai morrer e eu vou ficar triste porque nunca nenhum outro cachorro vai ter usado brinco e velejado os mares de Laguna com um pescador antes de ser meu.

Daí eu penso na morte e penso que um dia minha mãe vai morrer e choro rapidinho escondida e eu fico tentando pensar em outra coisa e desejando morrer primeiro pra nunca ter que ver ninguém morrer. E então eu fico bem com a idéia de morrer primeiro. Estico a cabeça só um pouco e enxergo a casa onde a Madeleine morava e desejo que ela volte pra gente poder brincar de Titanic na escada e de coisa proibida também, de baixo do tapete da sala dela.

Sinto vergonha por estar lembrando disso mas pulsa entre minhas pernas e é gostoso.

"Fecha essa perna guria! O Geraldo tá ali fora!!!"

Dou um pulo e o coração dispara, como se ela pudesse saber no que eu tava pensando. Vou me mexer pra fechar a perna mas perco o conforto da posição e aproveito pra levantar num impulso - fico cega por uns segundos, preciso aprender a levantar devagar - roubo umas bolachas da vaquinha do pote de vidro e lá vou eu...

terça-feira, 1 de junho de 2010

Sobre as vidas novas e as velhas e Iemanjá

Como é engraçado voltar a escrever depois de tanto tempo. As mãos ficam duras-defunto, parece que a gente desaprende das palavras, mas é tudo mentira.
Desaprender é mentira. Difícil é aprender. Depois, não se desaprende.
A gente só enraíza, endurece, se acomoda e mofa molhados e fedendo pra sempre amém. Tão verde e podre o mofo. Verde-bandeira (do Brasil) pendurada em tudo que é lugar balançando devagar e triste por causa da copa que é tudo mentira também de novo.
Gostoso era em 94 que tudo isso parecia tão importante e o sol franzindo o nariz, o peito cheio de amores breves, o mijo recém enterrado na areia, as unhas roídas doendo do sal e o cheiro da areia molhada de maresia.
"Olha o mar, mamacita! Iemanjá tá levando o nosso girassol de cabelo!!!"
Levou.
E hoje tão longe ela entra num ônibus e fica lá vindo vindo por 15 horas pra finalmente vir.
Porque eu cresci e tenho uma casa caixotão aqui do outro lado de nós.



Mala suerte já morreu. Enterrei na Avenida Santo Amaro.
Hoje eu trepo o prédio mais alto da Cidade do Sol e canto pra quem quiser acordar “ô boa noite pra quem é de boa noite...”




[difícil é desprender]